Do cotejo da semiótica dita padrão com a semiótica tensiva, de um lado, e, de outro, com a sociossemiótica e a semiótica das formas de vida e das práticas, apreenderemos o sujeito como presença em ato, ou seja, um actante enunciativo considerado como o que "está sendo posto" ao longo da "etização" e da "estetização" da semiose.

Este projeto põe em pauta a avaliação da intervenção semiótica no seio das teorias da linguagem atuais. Por mais que a semiótica, desde essa virada importante que foi a reflexão sobre as paixões e a timia, tenha concedido centralidade ao sensível no tratamento da geração do sentido, isso não a afastou da condição, que é desde sempre a sua, de perspectiva racional, argumentadamente construída, sobre os objetos que toma para análise. Sua racionalidade, contudo, não é a da tradição propriamente lógica, de extração aristotélica, mas antes a das teorias da linguagem não-referencialistas, fundamentadas na linhagem que conduz da ruptura saussuriana, passando pelos grandes linguistas dinamarqueses (Hjelmslev, Brøndal), até a Escola de Paris com A. J. Greimas, seus interlocutores e discípulos. Todo um território de investigação se esboça aí, que ainda hoje é menos edifício do que canteiro de obras. Racional a seu modo, a semiótica se desenvolve tendo por horizonte o mundo da cultura, que é onde se dispõe a intervir. No momento em que boa parte das teorias da linguagem se encaminha em direção a uma biologização ou naturalização dos fenômenos de significação, é preciso examinar o porquê e o como da inserção da semiótica entre as teorias do texto, do discurso e da cultura. Se esta pode ser vista como a sociedade erigida em significação, a semiótica tem de haver-se com as relações entre tais objetos e também com a calibragem do âmbito em que situará seu olhar analítico, num contexto de rápidas mudanças culturais e sociais. Além da continuidade do trabalho descritivo com seus objetos mais consagrados, tais como as obras literárias e artísticas em geral, a colocação à prova de sua operacionalidade parece encaminhar hoje a semiótica em direção, cada vez mais, aos conjuntos de textos, de maior ou menor amplitude, que circulam nas trocas do cotidiano. Este projeto interroga, em diferentes esferas discursivas, a constituição de tais conjuntos, sem deixar de se interessar pelo aprimoramento do instrumental analítico dos textos enquanto tais.

Entre as disciplinas universitárias, muitas dialogam com práticas artísticas, confundindo-se com elas. Nas faculdades ou institutos de artes, as graduações em cinema, arte dramática, artes plásticas e música inventem em formações teóricas, seja por meio disciplinas específicas, próprias de cada bacharelado, seja por meio do conhecimento de ciências sociais, da semiótica, da filosofia, de teorias da comunicação. Entretanto, a pratica artística sempre está presente; um estudante de música aprende a analisar composições alheias, mas também aprende como compor, estendendo-se isso às demais artes. Nos cursos de letras, contrariamente, essa prática está desvinculada, ratificando-se uma tradição que não se justifica de nenhum ponto de vista, já que em outras artes tal separação não se concebe. Do mesmo modo que a pintura se vale de teorias das cores ou da percepção visual das formas, a escultura, das propriedades físicas dos materiais utilizados, ou a música, da mecânica dos instrumentos musicais, a literatura se vale do trabalho com a linguagem, quer dizer, das formas linguísticas e de suas decorrentes substâncias fonética e psicológica. Enquanto um estudo na área de linguística e semiótica, nossos trabalhos mais recentes vêm, justamente, de encontro àquela tradição e ao encontro das muitas correlações entre a análise linguístico-literária e a criação literária.

Conceito-chave desta nova proposta, a “prosódia” será examinada, de um lado, como matriz das principais conquistas da teoria tensiva preconizada por Claude Zilberberg e, de outro, como valor resultante do encontro da melodia com a letra no âmbito da canção midiática. O que está em jogo, no primeiro caso, é a possibilidade de o funcionamento prosódico das línguas naturais com seus acentos e modulações, ascendentes e descendentes, oferecer um modelo eficaz para se compreender também os aumentos e diminuições que regulam nossa compreensão do sentido abstrato lato sensu. No segundo caso, já no interior do mundo cancional, os valores prosódicos são aqueles que resultam do encontro da melodia musical com o texto verbal proposto pelo compositor. Toda vez que a melodia recebe uma letra transforma-se num modo de dizer específico: suas frases musicais tornam-se também unidades entoativas, semelhantes (nunca idênticas) às que acompanham nosso discurso oral cotidiano. Examinaremos a relação entre esses dois níveis, epistemológico e aplicativo (na canção), de abordagem prosódica como uma nova proposta teórica e analítica para a semiótica de hoje.

Dando continuidade ao projeto "Semiótica, ética e estética" (2017-2021), retomamos nossas atividades e reflexões para interrogar a emergência do sentido nos textos e práticas concernentes a diferentes campos de atividade humana. Levamos em conta a estesia como elemento constitutivo da linguagem e a ética como a reunião de princípios morais que formam o posicionamento social do sujeito diante dos eventos do mundo discursivizados segundo diferentes "modos de dizer". Estilos de gênero, "de época", bem como autorais não serão descolados de estilos estratégicos, componentes de formas de vida pensadas semioticamente. O conceito de ethos, herdado da retórica aristotélica pelos analistas do discurso e cotejado com a noção de ator da enunciação, remeterá à noção de campo de presença, o que implica a relação necessária entre o sensível e o inteligível, base de toda semiose. No nível discursivo, em que se destaca a ancoragem dos valores ideológicos na definição de um corpo encarnado semanticamente, depararemos com um corpo "que fala" ou "que cala", a depender das coerções sociais sintetizadas nas formações discursivas evocadas. Emparelhado ao conceito de ethos despontará a noção de pathos como disposição afetiva do actante operador da prática interpretativa. Sem receio do trato com a interdisciplinaridade, estendemos nosso olhar pelos recentes estudos discursivos e linguísticos sobre a argumentação e, sem deixar de relevar as bases da semiótica "greimasiana", contemplamos seus desdobramentos contemporâneos. Como semioticis tas, almejamos beirar algum entendimento sobre o "percurso do homem no mundo", mantido o rigor metodológico de análise dos textos.

O projeto busca produzir conhecimentos sobre as relações entre discurso e sociedade, na perspectiva teórica e metodológica da semiótica discursiva. Serão examinadas, sobretudo, questões de veridicção, de leitura de textos da internet e do papel da escola no tratamento desses discursos.

Situado na interface entre a semiótica europeia (Saussure, Hjelmslev, Greimas e continuadores) e segmentos da neurociência cognitiva (Damasio, Nicolelis, Ramachandran, Varela, Maturana, Dennet) a pesquisa visa dar contornos – a meu ver inusitados – para uma antagonia conceitual, que nos vêm desde a caverna de Platão: a severa oposição alma/corpo, espírito/matéria, thesei/physei, forma/substância. Reescrita para os propósitos deste projeto, cabe renomeá-la: linguagem/cérebro. A mente humana, a cultura dos homens, seu pensamento, consciência, sentimentos, imaginação, enfim, seu espírito global é efetiva e exclusiva criação de um cérebro neuronal? Ou é um constructo tramado pela presença e ação da linguagem em cada cérebro, que o obriga a resiliências e (re-) configurações neuronais singulares à cada vivência do homem e de seu corpo? Questão deveras monstruosa, este projeto não pretende esgotá-la. Antes, visa dar-lhe novos contornos através de um diálogo de intercâmbio de pontos de vista entre os pares envolvidos, que possam permitir vislumbrar caminhos de passagem, vetores de intersecção, novas “simetrias implícitas” – expressão emprestada de René Thom, esclarecida no projeto anexo abaixo – nos objetos sob exame, a atenuar a gravidade pesarosa do antagonismo feroz que ainda se mantêm entre os dois campos científicos em interface. O título do último livro de Miguel Nicolelis reflete bem a posição da quase totalidade dos neurocientistas: "O verdadeiro criador de tudo. Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos" (2020). As “neurocepções” cerebrais comandam a concepção do mundo. Por sua vez, uma proposição forte de L. Hjelmslev traduz bem o modo como a teoria semiótica entende a questão: “a linguagem/língua (sprog) é a forma pela qual concebemos o mundo” (1953). As “semiocepções” propiciadas pelo ato semiológico dos signos (ato arbitrário), criam e induzem as precepções e apreensões do mundo pelo sujeito. O cérebro neuronal não fariam senão operá-las em suas configurações neuronais e sinapses. Pela primeira hipótese, neurocientífica, se o cérebro causa tudo, além das doenças disfuncionais de um corpo e seus órgãos vitais, também os “infortúnios psíquicos” de um sujeito deverão ter como tratamento exclusivo a farmacologia bioquímica (remédios e remédios). Pela segunda hipótese, linguageira, os infortúnios culturais, psicológicos, profissionais, familiares, conjugais, podem receber melhor terapêutica por um reposicionamento “semioceptivo” do modo como o sujeito percebe, apreende e interpreta os acontecimentos que lhe advêm. Ser uma “terapêutica” do individual e do social foi desde a origem um anseio da teoria semiótica de Greimas (Sémantique structurale, 1966). Pesadas as duas formas de tratamento do humano, entendo que o projeto possa ter resultados benéficos à sociedade quando entendemos que a busca por minorar o sofrimento humano é sempre um empreendimento necessário, justifica toda hipótese e estudo de interface. Situated in the interface between European semiotics (Saussure, Hjelmslev, Greimas and continuators) and segments of cognitive neuroscience the research aims to give contours - in my view unusual - to a conceptual antagonism, which comes to us since Plato's cave: the severe opposition soul/body, spirit/matter, thesei/physei, form/substance. Rewritten for the purposes of this project, it is worth renaming it: language/brain. Is the human mind, the culture of men, their thinking, consciousness, feelings, imagination, in short, their global spirit, an effective and exclusive creation of a neuronal brain? Or is it a construct plotted by the presence and action of language in each brain, which forces it to resiliencies and neuronal (re-) configurations unique to each experience of man and his body? The question is truly monstrous, but this project does not intend to exhaust this monstrous question. Rather, it aims to give it new contours through a dialogue of interchange of points of view between the pairs involved, that may allow us to glimpse paths of passage, vectors of intersection, new "implicit symmetries" - an expression borrowed from René Thom, clarified in the project attached below - in the objects under examination, to mitigate the heavy gravity of the fierce antagonism that still exists between the two scientific fields in interface. The title of the latest book by Miguel Nicolelis reflects well the position of almost all neuroscientists: "The true creator of everything. How the human brain sculpted the universe as we know it" (2020). Brain "neuroceptions" command the conception of the world. In turn, a strong proposition by L. Hjelmslev translates well the way semiotic theory understands the issue: "language/language (sprog) is the way in which we conceive the world" (1953). The "semioceptions" brought about by the semiotic act of signs (arbitrary act), create and induce the subject's preceptions and apprehensions of the world. The neuronal brain would do nothing but operate them in its neuronal configurations and synapses. By the neuroscientific hypothesis, if the brain causes everything, besides the dysfunctional diseases of a body and its vital organs, also the "psychic misfortunes" of a subject should have as exclusive treatment biochemical pharmacology (medicines and remedies). According to the linguistic hypothesis, cultural, psychological misfortunes can be better treated by a "semioceptive" repositioning of the way the subject interprets the events that come to him/her. To be a "therapy" of the individual and the social has been, from the beginning, a longing of Greimas' semiotic theory (Sémantique structurale, 1966). Weighing the two ways of treating the human, I understand that the project may have beneficial results for society when we understand that the search for alleviating human suffering is always a necessary undertaking, which justifies every hypothesis and interface study.

O conceito de prosódia será examinado neste projeto em duas dimensões: de um lado, a prosódia fundamental, proveniente da silabação e da entonação da língua natural e norteadora dos princípios teóricos da atual semiótica tensiva e, de outro, a prosódia vocal, responsável tanto pelo encontro das unidades linguísticas com suas inflexões entonativas na fala cotidiana quanto pelas relações entre melodia e letra nas canções midiáticas. Ambas as prosódias tiveram origem nos parâmetros que manifestam nossos afetos no plano da expressão da linguagem, especialmente nas noções básicas de acento e modulação. Não há discurso oral sem condução melódica, ascendente ou descendente, indicando impulso, desejo, dúvida, convicção ou comoção de quem fala, pela simples aproximação ou afastamento do acento principal da frase ou da passagem emitidas. O mesmo vale para a canção, mas sua melodia ainda é estabilizada pela ação musical, o que gera outros tipos de compatibilidade com a letra, como a tematização e a passionalização. Os acentos que nos ajudam a apreender as direções melódicas no plano da expressão são os mesmos que regem nossa compreensão e apreciação dos assuntos relevantes (acentuados) no plano do conteúdo, igualmente numa escala hierárquica ascendente ou descendente. Daí dizermos que elementos da prosódia vocal instruem a prosódia fundamental para que esta dê conta dos dois planos da linguagem.